O romântico
Ele tomou banho e barbeou-se. Escovou os dentes e disfarçoualgumas espinhas. Colocou a roupa mais formal que tinha
no seu armário. Queria impressionar a família da namorada.
Ela já havia preparado os pais para sua chegada.
Encheu o rapaz de bons adjetivos e demonstrava
muita paixão. “Ele é um romântico, mamãe! Um dos
últimos, com certeza”, dizia, entre um suspiro e outro.
Chegou pontualmente no horário combinado e os pais dela o
receberam com um banquete.
O rapaz se comportou com classe e elegância. Conversaram
muito. Os assuntos discorreram de política com o sogro à
culinária com a sogra. “O almoço estava divino”, disse ele.
Na hora da sobremesa escolheu uma laranja ao invés do
pudim.
O rapaz segurou a fruta com firmeza e, sem pensar, pegou
a faca de corte que repousava ali na travessa de carne,
engordurada mesmo. Demonstrou destreza quando fez um
corte que quase separou a laranja em duas partes. Girou a
fruta e fez uma nova incisão que a dividiu em quatro gomos
presos pela base. Abandonou a faca e, com as mãos, abriu
cada uma das pontas. Puxava e separava a polpa da casca.
Mastigou cada sumo, às vezes se lambuzando com o suco,
e engoliu.
Os pais da garota assistiram a cena com certa repulsa.
Viram-no, ainda, abrir e esticar a casca do último gomo por
completo e oferecer à moça.
A garota estendeu as duas mãos em formato de concha,
admirada com aquele resto em formato de flor. Ela olhou
para a mãe, emocionada, e disse, entre um suspiro e outro:
“É um romântico, não é, mamãe?”.